segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

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O João Cutileiro que conheci.


"Passei a minha vida toda, penosa e lentamente, escalando até ao cume do Evereste. Agora velho, "quebrada a espada já, rota a armadura", olho para trás por cima do ombro e vejo que me enganei"

João Cutileiro

O Largo das Freiras sempre me fascinou, pela beleza das árvores, da história, escondida no velhario das casas e especialmente da Igreja velha, que apesar de abandonada ainda por lá habitavam as imagens em madeira da religião, decapitadas algumas, por brincadeira ou má fé, os montes de livros antigos cobriam o chão, o cheiro intenso a velho pairava no ar, o abondono e o sossego dum templo, onde uma enorme cruja, escolheu para habitar, as pulgas eram tantas, que sempre que podiam tentavam fugir, agarrando-se a nossas pernas, por vezes subia-mos à torre para tocar o sino.

Imagens que recordo com saudades, em minha inocente idade, aí brincava, em frente à casa do Cutileiro, pessoa um tanto asustadora e misteriosa, um olhar ameaçador constante, que nos fazia parar nas nossas brincadeiras do quotidiano, sempre que o Cutileiro regressava a casa no seu velho Citrôen 2 cavalos branco, velho e cansado de tantas vezes subir aquela ladeira, que mais tarde acabou por morrer de baixo de uma àrvore, e por lá ficou fazendo a delícia da moçada que nele brincavam. Um alto muro coberto com pedaços de vidros cravados no topo, separava o seu mundo, do mundo dos outros. Mistério, que despertava a imaginação de almas tão inocentes e curiosas, que sempre que possível tentavamos desvendar, subindo, e lá em cima era o contemplar do imaginário erótico em pedra do Cutileiro. Por vezes a sorte brindava-nos, com a arte viva da mulher despida, misturada com a pedra nua em forma de mulher, enquanto o Cutileiro explorava a figura feminina, e projectava no papel a sua nova criação.

Hoje quando se fala do Cutileiro, me vem à memória, estes momentos inocentes de minha infância, e um sentimento que o Cutileiro que conheci, era um homem muitos anos à frente do tempo que vivia, o que o tornava um pouco incompreesível para a população em geral. Não foram tempos fáceis para o artista, penso eu, mas venceu e apareceu com o D.Sebastião, que tanto se esperava num dia de nevoeiro, envolto no pó de pedra, na imagem viva do Cutileiro. O João Cutileiro, venceu na vida e voltou a sorrir, um grande artista, e claro nenhum grande artista vê as coisas como realmente são, caso contrário, deixaria de ser um artista.

Um pouco de João Cutileiro:

Em 1966, numa visita a uma fábrica de mármores em Lagos, descobre as potencialidades criativas, e também económicas, do corte da pedra com máquina eléctrica. Na sequência disto, Cutileiro trabalhará exclusivamente em mármore e pedra, concebendo um estilo escultórico em que os objectos tanto se caracterizam pela simulação de um tratamento artesanal, como ostentam a visível caligrafia da máquina Cutileiro abre a porta para a grande ruptura na escultura portuguesa do século XX, que ocorrerá efectivamente na década de 80. Fá-lo não só através da sua própria obra, mas igualmente pelo trabalho de formador na Escola da Pedra em Lagos, por onde passaram alguns dos artistas, como José Pedro Croft e Manuel Rosa, que protagonizam essa transformação.
A década de 60 marca a escolha da temática que irá dominar toda a sua produção, o erotismo, particularmente explorado através da figura feminina, mas também presente nos seus pássaros e flores.
1973 é o ano de D. Sebastião, a peça mais polémica de toda a sua carreira. Para além dos (muitos) sentimentos que esta escultura, colocada numa praça da cidade de Lagos, possa ter suscitado, D. Sebastião marca uma ruptura definitiva na estatuária nacional, ao ser o primeiro monumento a desafiar a sua lógica comemorativa. Cutileiro apropria uma das figuras mais emblemáticas da mitologia portuguesa, criando um antimonumento, assente na ambiguidade (sexual) do jovem rei, desmistificando simultaneamente o seu estatuto heróico e a suas virtudes guerreiras.

6 comentários:

Luísa disse...

Lembro-me quando o Cutileiro, vinha às vezes tomar a bica com amigos de Lisboa, ou sózinho ao café Abrigo, cheio de pó da pedra, as roupas muito brancas, quase da côr do mármore, nem tirava os protectores de som, dos ouvidos, tal e qual como nesta fotografia, uma indiferença espectacular, diferença essa que o destinguia das pessoas ditas ”normais”da época, totalmente uma pessoa com uma cultura acima do normal, uma pessoa que passou pelo estrangeiro, inclusivo se bem me lembro a mulher dele era inglesa ou frencesa, não me recordo, de qualquer forma, um artista fascinante, que tão bem eu, recordo com saudades do tempo que viveu aqui em Lagos.

Anónimo disse...

um judeu do caralho era o que o gajo era.o "ARTRISTA"só pensava no bago.
damos gajas ao ignorante que isso ele paga bem,sempre pagou.
aprendam ignorantes

Artista e adepto do Cutileiro disse...

Este ultimo comentario, e de alguem que conheceu bem o artista.

Quanto a religiao do gajo,nao sabia que era judeo,nem me interessa."Bago", "gajas",quem e que nao quer???? Mas nem por isso o gajo deixa de ser um grande artista, trabalhar a pedra, nao e facil, nao e a mesma coisa que tirar uma fotografia. Ha gajos ai em Lagos que tiveram a felecidade de nascer em redor de um aviario industrial,onde as galinhas de ovos de ouro abundavam, mas nem por isso ficaram mais artistas que os outros, ficaram sim mais hipocritas com o dinheiro das galinhas, reinados pela inveja daqueles que sem nada conseguiram subir montanhas.

Sao estes gajos que pensam, que sabem mais que os outros...

Anónimo disse...

gajas sim, por dinheiro, nao.


isso de ser artista porque não é facil trabalhar a pedra,é quase como aquele que desenha a costa doiro tal e qual,..."mas que grande artista,está igual".
O das 8.30 é nabo.

Anónimo disse...

Em Cutileiro admiro a obsessão por mulheres (que eu também tenho e nem sequer sou artista!) e o trabalho simultâneo do bruto e do pormenor, da rebarbadora e da broca de dentes...
Curiosamente a minha obra preferida do cutileiro nem é uma mulher mas um rapazinho o D. Sebastião. Mas pensando bem, não será uma rapariga?

Cutileiro é sem dúvida um dos maiores nomes da escultura mundial,
Cutileiro refuta o planificado e a sua escultura surge, quase sempre, do trabalho experimental e directo com os blocos de mármore, matéria-prima de excelência da sua expressão maior, a que se dedicaria, como chegou a referir, de "uma forma quase cósmica com a descoberta das máquinas abrasivas de alta velocidade".

Também eu conheci o Cutileiro de perto.
Um abraço

Anónimo disse...

Nesse tempo era sobretudo um grande fotografo, privei com ele e nunca lhe admirei os resultados de bater na pedra mas admirei as fotos que pendurava na parede, lembro de uma séria tirada à mulher grávida que fizeram durante anos as minhas delicias. Nem precisava de estúdios, maquinões, ou seja lá o que for de que hoje em dia os pseudo-fotógrafos se munem, clicava e saia obra de arte.